1 de setembro de 2008

segundo

Está frio em São Paulo. Frio! Uma pessoa pensa que vem para o Brasil encontrar a tropicalidade das nossas apetências e, ao chegar, nota que ninguém anda com o dedão no chinelo e a bunda quase de fora. De facto, estamos em época de usar a colecção Outono/Inverno e, embora nas noites frias a temperatura não chegue a baixar dos 14 ou 15ºC, começa tudo a tiritar e a enfiar blusões de penas. Tem a sua graça. Mas de qualquer maneira, para quem vem do Verão como eu, sente-se algum frio.
A cidade estende-se gigantesca por sessenta (sessenta!) quilómetros de comprida e, provavelmente, uma média de vinte andares de alta. Aproximamo-nos dela e logo sentimos essa massa cinza de betão a abrir espaço para se instalar na nossa relativamente organizada visão europeia. Assim, a primeira impressão não é grande coisa. Claro que a abertura de espírito do viajante tudo perdoa e a pessoa consegue interiorizar aquilo que vê quase sem crítica. Na verdade, como não escrevi a tempo e horas, tenho que fazer agora um exercício de memória a ver se não me esqueço de nada.
À chegada, segui com a Sofia de carro pela auto-estrada que nos levou do aeroporto à cidade propriamente dita. Seis faixas de rodagem para um lado, outras seis para o outro. Eram umas assassinas sete da manhã e o trânsito já não se mostrava simpático. De caminho ela foi tratando de actualizar-me sobre os últimos meses e, em simultâneo, tentar mostrar-me o São Paulo pelo qual íamos passando. Não existe propriamente uma lógica arquitectónica na cidade. Parece que os edifícios brotaram por geração espontânea, cada um de seu feitio e função. As ruas têm um aspecto sujo e grande parte das paredes estão grafitadas. Mas embora essa ideia inicial, o impacto, não tivesse impressionado pela positiva, gostei de estar lá. Gosto sempre de conhecer o desconhecido. A metrópole brutal que é São Paulo não é excepção. E, principalmente, fui muito bem recebida.
O que se sente lá é… hmmm…. Bem, é como se a pessoa que somos não interessasse muito. O ambiente tende mais para o individual do que para o social, como bem me sublinhou o João. O espaço não está pensado para ser vivido e usufruído, dá-nos sempre a sensação que estamos de passagem. Quanto mais depressa provavelmente melhor! Todos os prédios têm grades e seguranças, os restaurantes oferecem empregados para arrumar os carros e, ao parar num semáforo, convém lembrar-se de fechar os vidros. É meio estranho para a portuguesinha aqui. Não pude fotografar porque andar com a Priscila ao pescoço era estar “a pedi-las”. E, contas feitas, aproveita-se o tempo em restaurantes e bares. Talvez por não ser possível estar na rua.
A hierarquia social é ainda muito marcada no Brasil (ou pelo menos nas grandes cidades). Assim, é possível que uma pessoa vá a São Paulo sem ir à verdadeira São Paulo, aos reais noventa e sete por cento que se opõem àqueles opulentos três. Mas até esses três não me parecem adequados. Mansões enormes, grades electrificadas, medo de sair de casa e de estar em casa, comida e bebida em sítios muito bons – é verdade –, fins-de-semana nos arredores com longas filas de trânsito… E falta ainda o consumo descabido.
Mas que apostam nos restaurantes, lá isso é verdade. Fui levada a sítios óptimos: mexicano, japonês, italiano… Mesmo muito bons. E têm ainda o parque de Ibirapuera - onde passeámos a basset hound Pikolé -, que é enorme e faz lembrar um Central Park que não conheço, permitindo às pessoas usufruir de rua e de um pouco de verde dentro da cidade. Fundamental! Lá vemos o brasileiro a correr, de patins, passeando cães ou procurando museus (que os há dentro do espaço).
Portanto, quem pode, tem cultura para se banhar. Na véspera da minha partida fomos ao teatro. Era numa das universidades do estado, num sítio arejado e descontraído onde me senti muito bem. Wagner Moura na pele de “Hamlet”. Um animal de palco. Três hora e meia que valeram, e bem!, a pena. Eu não conhecia a peça – e tão pouco a história – e, talvez por isso, foi impressionante. Uma prestação fortíssima, cheia de dor e de fúria. Com toques de modernidade, como o facto dos actores se mudarem em cena e se sentarem lateralmente em cadeiras a ver os outros quando não era a sua vez, que sempre aprecio.
No geral, foi bom. Tinha saudades dos meus amigos e nada como ver a sua nova vida. Nada como ouvir a cantada propaganda política brasileira no rádio (“dona Teresa, se não soube fazer antes, não é agora que vai fazer!” Ou então, “o senhor Marcelo construiu a escola, os brasileiros que se lembrem…”). Autênticas comédias. Nada como, também, encarar o seu olhar esbugalhado com a nossa pronúncia e ouvi-los dizer “ai, qui bônitchinho!”, como se fôssemos uma cria de dois anos que aprendeu uma brincadeira nova. Ou um triste bicho de jardim zoológico. Enfim, a intenção não é má. Penso que, ao fim de uns meses, faria como a Sofia e encarnaria a brasileira em mim, só para não ter que ouvir constantemente os comentários votados às aves raras.
Despedi-me de São Paulo com pena de deixar a Sofia e o João tão cedo. Ao fim de três dias. Imaginando as condições em que viveria nos nove meses seguintes e perguntando-me se não poderia ter ficado um pouco mais a usufruir de uma cama de casal só para mim e um duche maravilhoso. De pequenos-almoços à descrição na padaria/pastelaria que já antes referi. E de internet a meu bel-prazer… Mas tinha que ir. E assim fui.
Obrigada aos dois tugas paulistanos pela estadia e companhia! (espero a única foto que tirámos juntos)

2 comentários:

C.M. disse...

E, tal como prometido há algumas horas atrás...nada de deixar posts virgens neste blogue!
S.Paulo...hummm, cidade imensa, rápida, que a barriga de fome (claramente maioritária) partilha com a barriga muuuito cheia, onde se morre por muito menos que uma Priscila ao mesmo tempo que decorre teatro na sua melhor expressão.
Gostei da clareza da descrição (como é hábito:-))
Beijocas

calvinn disse...

A seu tempo,vamos sendo informados sobe o que se passa:). Que a exploração continue a correr bem.

atentamente
David

p.s. no piazza del mare ali para os lados de Belém, um café custa 1.50€ e uma cerveja 2€...incrivel.