Este Outubro quase passa por mim. Vem estranho e dá-me cheiros doces a flor e a quente, encharca-me todas as semanas, troveja, pica, cria-me novos hábitos. Estende-me de novo os dias, em vez de os encurtar, e à minha interrogação instintiva, limita-se a encolher os ombros. Não quer saber, reacende a vibração que trazia na mala e sopra depois a chama, ignorante de que aqui estou, algo esbugalhada. Estranho.
Gosto de Outubro. “Lá vamos nós, abre os olhos”, diz-me.
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Argentinos e principalmente missioneiros, têm nas empadas uma tradição de que não deixam de se gabar. Observação redundante, dirão alguns, de que não se gaba esta gente? Ora pois. Diz-se por esta América que, para um argentino cometer suicídio, basta atirar-se do seu próprio ego abaixo. Ou que a definição de ego é: “aquele pequenino argentino que todos trazemos dentro de nós”. Adoro! Não é que sejam todos assim, nem que ostentem o orgulho à vista desarmada. De facto, não tenho dados suficientes para fazer justiça aos dizeres e resta-me comentar que as empadas são boas (apesar de só as ter provado vegetarianas, o que suponho que conte apenas pela metade).
Certa noite fizeram-se as tais empadas. A massa foi comprada no supermercado para que uma pobre desgraçada não ocupasse toda a tarde a enrolar, estender e amassar na cozinha, e fizeram-se as ditas. Carne e cebola para um lado, carne, ovo e azeitona, para outro, milho e cebola para um lado, espinafres para outro. Sim, estavam boas. Convidámos o Martín para que tratasse de fechar a massa em ondinhas – o que parece que é uma arte do noroeste do país, de onde ele é – e a Mica dedicou-se aos recheios. Foi depois das empadas que nos ocorreu falar de desenhos animados. Conversa mais que recorrente entre quem já sente que tem gerações abaixo de si e encontra, assim, ponto de referência para uma infância em comum. Em Portugal, volta não volta, lá estamos a debater as piadas do Bocas ou as cores das Tartarugas Ninja. Se o amor da Julieta era realmente o Dartacão. Enfim, coisas da vida.
Só que foi aí que percebi. Dizer que este mundo é global não é, afinal, uma ilusão. Acontece, no entanto, que o ouvimos tantas vezes repetir que a noção acaba por passar completamente ao lado - como qualquer aula de história no sexto ano, depois do almoço, num dia de calor. Aperceber-me de que sou uma pessoa mais que globalizada faz-me pensar nos meus pais, nos meus avós… Quero por força imaginar fronteiras num mundo em que, agora, mal as encontro. Terão existido? Ou teremos sido sempre todos iguais e eu apenas verifico agora, neste ponto de latitude longínqua, aquilo que, antes de mim, estava afinal concluído?
Vimos muitos dos mesmos bonecos – apenas variavam os nomes que em cada língua se lhes dava (Kermet the frog, La Rana René, Sapo Cocas). Vimos muitos dos mesmos filmes. Ouvimos muita da mesma música. A nove mil quilómetros de casa, não encontro nestas pessoas qualquer fundamental linha que as distinga de mim própria. Borra-se o cultural com o individual e são apenas gente que sabe mais ou menos o mesmo que eu e partilha mais ou menos as minhas ideias. Fico indecisa entre o positivo que é fazer parte de um grupo tão amplo e o negativo de me restar menos para descobrir.
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Trovoada! Agora mesmo, enquanto escrevo, enquanto a banda sonora de Cinema Paradiso me enche os ouvidos, cai uma trovoada que bate fundíssimo no peito. Cresce a cada trovão, louca, frenética, alimentada pela água que já condensa em força e faz estalar todas as folhas mortas que cobrem o chão da floresta. Hmmm…. Que privilégio estar aqui!
Check out o que passeava pelo jardim há dois dias:
