11 de março de 2009

vigesimo quarto

Bem curta esta ausencia, a minha nova boss tem computador e internet. O problema eh que o teclado nao tem acentos (ou te-los-a em lugares insondaveis). Tomei a liberdade de esticar a corda ao nosso belo portugues, por isso peço desculpa mas creio que facilita a leitura. Quando tiver oportunidade tratarei de o corrigir.

Saimos da estrada principal logo a seguir à placa que diz San Cayetano e percorremos de carro as ruas de terra batida, quase de areia, a que ja me vou habituando.

Depois de uma extensa linha recta, na qual nos vamos cruzando com casas espaçadas a pequenos terrenos mais ou menos cultivados, chegamos ao portao da estaçao biologica. “Cuidado com o cao!”, “Atençao: cao perigoso!”, le-se em duas ou tres placas. Sabemos que nao esta ninguem, o que nos deixa um pouco em sobressalto. Apenas ate que se aproxima o cao. Um rotweiller de cauda a abanar e lingua de fora. Feliz da vida por ver alguem, recebe-nos com saltinhos amigaveis e turras nas pernas para ganhar direito a mimos. Aliviados, entramos no espaço comum a cinco pequenos edificios que se dispoem, mais coisa menos coisa, circularmente. Nao se lhe pode chamar jardim, nem sequer patio. Uma area com arvores que da sombra as casas? Serve.

Quando se vem do caotico CIES, chegar aqui deixa qualquer um impressionado. O espaço nao eh grande mas cada divisao eh mais ampla, tem muito menos tralha espalhada e, principalmente, eh bem mais limpo. Da gosto escolher uma cama e desarmar a mochila, da gosto entrar na minuscula cozinha e preparar um cha, pelo simples facto de que esta arrumada e podia ser a cozinha de uma casa minha – ou de qualquer pessoa com poucas pretensoes culinarias.

Lanchamos enquanto o Mario, o investigador que me deu boleia, me mostra algumas fotografias que as camaras-trampa (nao me ocorre o nome em portugues) tiraram aos mamiferos dos esteros e me explica os resultados que ate agora conseguiram.

Saio depois para o entardecer, na esperanca de ouvir cantar os carayas. Levo o livro, sento-me num gigante tronco caido, de frente para o sol que se vai. Nuvens baixas e fofas pairam no horizonte, o astro rapidamente se esconde para começar depois a estender, um a um, os seus raios atraves delas. Forma uma tela de luz derramada, como se decantada, sobre o matagal e as ocasionais palmeiras. Olho. Espero. Vejo. Lentamente o azul das nuvens e o branco da luz vao-se transfigurando num quadro de cores vivas. Os rosas, os laranjas outra vez! Olho. De vez em quando decido ler, mas logo me foge a mirada de novo para o ceu. Eh incrivel.

O cao negro, cujo nome ainda nao sei, aproxima-se e desata a escarafunchar entre o tronco em que estou sentada e o solo; nao entendo o que busca, algo da maior importancia sera. Depois fica por ali porque, ja percebi, gosta de mim. E eh entao, quando a luz ja esmorece e comeco a pensar que nao da mais para esforcar os olhos na letra minima do livro de bolso, que os começo a ouvir. Um som aspero, rouco, que vai em crescendo e da a sensacao que vem de la uma tempestade. Eh um “uuuhhhhh” que soa a vento forte, a furacoes, a arvores balaceando em turbilhao. So que acontece que nada disso acontece, a paisagem mantem-se mansa e o som ondula sem consequencias.

Devagar, aproximo-me da zona de onde vem o ruido. O cao negro segue-me. Cem metros adiante sou limitada por uma cerca e um arame e percebo que os animais estao perto. Agacho-me nesse suave fim de tarde e fico a ouvir os uivadores uivar.

(quando chegamos pela primeira vez a um local, ou quando acabamos de conhecer uma pessoa, tudo o que eh bom parece fantastico e tudo o que eh mau parece insuportavel; suponho que seja um mecanismo eficiente para tomar decisoes rapidas, se estas se mostrarem necessarias)

Ao voltar a subir a ladeira em direccao ah casa noto, ah minha esquerda, que a lua ja subiu. Ergue-se um pouco acima do horizonte, cheia, redondissima e algo amarelada. Afasto-me das arvores para a contemplar. Olho por cima do ombro na direccao de onde vim e encontro ainda o ceu colorido. Por momentos nao sei o que fazer. Como eh que se escolhe entre o sol e a lua? Estou parada a meio caminho, indecisa. A lua atrai-me, estah linda, mas eu costumo ver o por-do-sol ate ao fim (pode qualquer outra pessoa entender que estes sao dilemas infimos nas preocupaçoes diarias de cada um e, enfim, talvez a longo prazo sejam, mas no momento em questao, que eh o que sempre e mais importa, eu estava sem escolha nem decisao – como o poeta). Olho para tras, olho para a frente, olho para tras de novo, noto que se estah por acabar. O cao negro fixa-me pacientemente. Volto a olhar para a frente, a lua ilumina agora a base de umas nuvens finas que, por isso, ganham uma graduaçao de cinzento, do mais claro ate ao escuro do ceu. Sei que nalgum momento ela ira subir, passar as nuvens, tornar-se branca e forte e eu nao vou ter mais vontade de a contemplar. Mas tambem sei que o sol desaparecera em breve. Que ha ja uma hora que o vejo. E, na verdade, quando chego ao fim de todo este brilhante raciocinio de logica e pesagem argumentativa, deste debate de sara com sara, dou-me conta de que foi inutil, pois que o faço ja mirando a lua e a decisao tomou-se sozinha. Talvez por ter vislumbrado um sapo gigante debaixo dela e me ter querido aproximar. Creio que tera uma vez e meia o tamanho do meu punho fechado, tento observar-lhe as manchas do dorso, ponho um pe atras do outro devagar, silenciosamente, quase sem me mexer. Mas ele nao se deixa enganar, de um salto aumenta a distancia entre nos e depois vai-se mais tranquilo, em passinhos curtos decididos, resmungando, com certeza, com os seus botoes, que a vida aqui eh bem menos incomoda quando as pessoas decidem nao aparecer.

Entretanto, um puzzle de nuvens coloca-se estrategicamente entre mim e a lua, hipnotizando-me por uns momentos. Ilhas escuras num mar de luz branca. A bicharada menor, como sempre, canta. O ar esta fresco e a ausencia da humidade pesada da selva faz-me respirar melhor. Gosto deste lugar desafogado, penso de repente. Entao os carayas voltam a gritar, ja a noite cerrou, mas desta vez mesmo ali ao lado do caminho onde estou, por onde vinha para casa. Subiram, tal como eu. O Mario aparece para os ouvir, caminha contente, com aquela expressao de naturalista que conheço de outras caras. Eu quero ver a lua ainda um bocadinho mais. Debaixo dela ervas altas, meio secas pelo Verao, picam-me as pernas. Mosquitos tambem. Centenas de pirilampos juntam-se ah festa porque a natureza eh o espectaculo dos sentidos; como, e em que realidade, poderiam faltar pontinhos verdes de luz cintilante?

E, no fundo de tudo, la naquela parte de tras do cerebro onde so chegam mesmo as coisas importantes, alguem levanta um cartaz e me avisa, sorrindo: cheira a hortela! Adoro o cheiro a hortela - que aqui se diz menta.

4 comentários:

Aziz disse...

Este é um post bem mais reconfortante :) Boa estadia no novo poiso!

P.S: Quanto aos acentos, posso-te dar umas dicas de informático. Se estás em Windows, podes adicionar o teclado portugues no Control Panel, Regional Settings, depois disso é uma questão de alterar o quadrado azul para PT e recordar onde estão as teclas.
Há uma outra opção que é memorizar códigos ASCII mas dá mais trabalho.
E a opção mais simples, que eu normalmente adopto "eh" a de usar o "H" em vez dos acentos, tah certo! mudam-se os tempos muda-se a escrita! :D

Unknown disse...

eheh, o canito merece um nome. Um nome só teu, como apreço da sua companhia e afecto. Afinal quem não gosta de um sonhador?

beijos

Micas ...que não a gata disse...

Oh Sarita " muy linda ", tanto tempo sem te ler!
Grandes mudanças aqui na empresa, afazeres vários, falta de tempo, enfim coisas desta simpática sociedade atribulada em que me "obrigo" a viver!!!! Mas em compensação durante os últimos 3/4 de hora, voei, imaginei, e até consegui sentir a tua dúvida entre olhar o pôr de sol ou o nascer da lua??!!! Até o cheiro da menta me entrou pelas narinas!!! Deliciei-me Sarita..!!! Que fotografias!!!! Obrigada por estes momentos fofinha! Abençoada a hora em que mandaste a outra "gaija" para o "carayo"... e aterraste nesses simpáticos e preguiçosos "carayas" de Corrientes. E agora vou tomar um chá de menta com uma torradita e brindar contigo à tua coragem e a essa experiência irrepetível !!!!... Uma grande beijoca e até à próxima "viagem".

joao pestana disse...

finalmente uma personagem masculina nesta história :) (tirando o chubby e a pequena participação especial do noivo da ex-boss)