16 de outubro de 2008

décimo

- Sara, vos tomás mate? – perguntou-me Guillermo, o condutor do autocarro que me dera entrada logo ali junto à estação de campo. Eram sete e um quarto da manhã, um céu levemente esbranquiçado soprava promessas de alguma frescura e a floresta acelerava aos dois lados do veículo. Entendi então porque paráramos nas cancelas do Parque, porque saíra ele em direcção à casita com o termo na mão. Ia por água quente. O tal hábito inquestionável, certo e seguro como ser argentino: a toma do mate. Principalmente para se começar o dia. Quando falta o mate, o nervosismo é tal como se comida faltasse.

- Bueno, dale – respondi, sem pensar. Ainda não percebi se é de bom tom recusar um mate ou em que situações o posso fazer. Agradecer é que não.

Sorvi um pequeno trago com cuidado. O mais frequente é queimar a língua e aturar alguma insensibilidade gustativa ao longo do resto do dia. Amarga, a bebida. Melhor do que a que temos em casa, no entanto; diria “mais encorpada” e esperaria que me entendessem melhor. Perguntei-lhe a marca, prontamente a esqueci. Para quem não bebe café, o mate funciona como um tiro certeiro no cérebro e dá ao corpo uma semelhante sensação de energia. Sem que o estômago se revolte.

Saltei do autocarro, pronta para acção. Que não era muita – desayuno, comprar pão e outros víveres, pensos rápidos e pilhas, saber preços e horários para a Foz do Iguaçu. Regressar, com sorte, a tempo de fotografar a garganta. O que acabou por não acontecer.

Às vezes preciso de inventar desculpas para me afastar um pouco do CIES porque até no meio da selva há espaço para gaiolas.

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A trabalhar, há dias em que me sinto Attenborough. Quase sempre, para ser mais precisa. Muita da floresta aqui é fruto de crescimento secundário, o que quer dizer que, para sair de um trilho, temos que pisar, afastar e por vezes cortar muita vegetação.

Não é que tenha sido sempre assim. O problema é que o corte de árvores foi permitido até há cerca de trinta ou quarenta anos e a floresta não teve ainda tempo de recuperar. As árvores mais altas terão à volta de quinze metros de altura e a média andará pelos dez. Ao contrário do que acontece em florestas tropicais como a da Amazónia, em que a densidade de gigantes de quarenta metros cria um ambiente de sombra que impede a sobrevivência de uma camada intermédia de plantas e “limpa” o caminho para os investigadores, aqui o tal crescimento secundário é fácil.


Por outro lado, já vi que isso permite que os macacos sintam alguma segurança no solo. Os dias começam agora a ficar quentes a sério e nota-se nos animais uma paragem obrigatória à hora da siesta, altura em que os adultos se catam ou dormem e os juvenis brincam. Como não sentir-se Attenborough quando quatro, cinco, seis monitos se perseguem uns aos outros à nossa volta? Quando se enrolam em cambalhotas de wrestling a três metros de distância? Quando se baralham no meio das cavalgadas e vêm direitos a nós, estancando de repente ante o obstáculo que umas pernas humanas representam e fixando-nos com aqueles olhinhos inquisitivos? Não sei se o fariam se o espaço fosse mais aberto. E agradeço ao senhor doutor Jensen o facto de ter habituado de tal modo este grupo aos investigadores que posso chegar e assistir a comportamentos descontraídos como estes. Complicado tentar não interagir com os animais, não lhes sorrir, não lhes falar nem lhes imitar as expressões engraçadas. Sim, claro que acabamos por fazê-lo.

Recien vuelvo de la garganta… Hoje chove, nada de estrondoso mas chove. Por sorte, é o meu dia livre. Acordei às cinco da manhã com os trovões e depois de novo às oito, com o cérebro a achar demasiada a lazeira. Levantei-me na calma, dediquei-me ao skype na calma, conversei com quem tinha turno da tarde (na calma) e, como brinde, ao caminhar para o quarto, ouvi restolhar em cima. Os macacos chegavam! O sítio onde vivemos está dentro do seu território e, por isso, de vez em quando passam por aqui. Deitam-se no telhado da cozinha a apanhar sol ou usam-no para brincar, comem nas árvores em volta e posam para as fotografias.








Falei de viagens com a Jen, aprendi algo de Photoshop com o Dardo e esperei pela Mica para ir até à garganta. Depois de comer as sobras da pizza de ontem no comboio turístico, caminhámos a longa passadeira à chuva, em passo-lesma como se espera de quem nada mais tem que fazer, e vimos a água cair no buraco. Num segundo, passa nestas cataratas água suficiente para encher garrafas de um litro, pô-las em fileira, e chegar daqui a Buenos Aires. Não consigo imaginar semelhante quantidade. Num segundo.

5 comentários:

Jose Ruah disse...

exclentes as fotos que vai pondo aqui.

continue com o seu bom trabalho.

Aline Cortez disse...

Bem, o mono estendido no telhado está fantástico ! Adorei !
Fez-me lembrar a Micas (Salomé)numa posição muito parecida, estendida na nossa mesa de jantar, com a mesa posta. Acendi a luz e lá estava ela !
Por breves instantes pensei que a Ligia tinha decidido dar-nos coelho para o jantar !
Besos de tu Madre

sara disse...

jose ruah,
obrigada! :)

madresita,
tb adorei a pose. a esta foto chamo "playmonkey"
bjs

calvinn disse...

Ok, não tenho escrito para ti, mas tenho lido e relido o que escreves para nós:) beijinhos assim como daqui a iguaçu

p.s. os madredeus voltaram.
p.s.1 o benfica o sporting e o porto tambem ganharam.
p.s.2 sete rios ficou mesmo com sete rios.
p.s.3 sabias tu que um lenço do arafat no martim moniz custa um euro?
p.s.4 e as obras no ic19 quase prontas.
p.s.4 sabado fui jantar ao bairro alto e lembrei-me de ti.

plim

Micas ...que não a gata disse...

Guapa Sarita!!!
Tens de trazer esse tal de mate quando vieres no Natal. Vamos fazer um ganda ritual no Arrão à volta da fogueira. Já tou a imaginar a Lili toda embrulhada em mantas, com o nariz a pingar do frio.. oh Zé vai-me buscar adoçante que isto é muito amargo!!!
Continuas a deliciar-me com a tua "escrêva" como diz a minha princesa! (no outro dia estava ela com um papel à frente a fazer uns gatafunhos pequeninos, muito certinhos e alinhados e de repente vem ter comigo e diz-me : Oh Bi! esta escrêva é para ti!)
Gostei tanto de ver el monito todo esparralhado no telhado.. como eu o invejo !! Espero que tenhas percebido que aquele deplorável momento de associação de imagens da Micas estendida no meio da mesa da casa de jantar não era eu!!!!
Já andas mais animadinha???Deixa lá, fofinha...Já falta pouco para vires visitar a selva portuguesa. Muitas e muitas beijocas